''Dia desses, eu estava sentada no sofá de casa, lendo, quieta, desprevenida, quando percebi que ela foi chegando, se aproximando devagarzinho, até que se acomodou, me abraçou e ficou. Não sei se você tem isso, talvez todos nós tenhamos, uns mais, uns menos – essa companhia inesperada de uma tristeza que vem sem avisar, sem querer saber dos planos para aquele dia.
Eu me lembro de quando era criança e vinha essa tristeza, essa visita sempre muito repentina, muito exterior a mim. Eu estava brincando, feliz – até hoje, sou dessas que costumam estar felizes –, e chegava essa penetra, essa intrometida, que vinha sem avisar e também não avisava quando ia embora. E ela ficava, e meu ânimo, minha vontade, esses iam embora, e o jeito era aceitar.
Tristeza sem motivo. Aceito sem reclamar. Quando adolescente, eu tentava fugir, correr – depois voltei a aceitar, como na infância. Se a tristeza sem motivo me abraça, eu a abraço de volta, que nosso encontro é menos dolorido.
A tristeza sem motivo é interessante. É bem diferente da tristeza com motivo. Minhas tristezas com motivo, eu sempre tento curá-las com raciocínio. Pode ser vício, cálculo, pretensão. Mas eu tento e, muitas vezes, funciona. Se estou triste porque algo não deu certo, me convenço com argumentos de que foi melhor assim. Se, definitivamente, não foi melhor assim, faço um esforço para relativizar a questão. Humilho minha questão pessoal, colocando na frente dela os problemas do mundo. Envergonho minha questão temporal, esfregando na cara dela o tempo. Ou simplesmente rio da minha questão séria, fazendo pouco dela. Forço, o tempo todo, um duelo entre minha razão e meus sentimentos. Às vezes, leva tempo, mas a razão ganha. Sempre ganha. E lá estou eu, feliz de novo, felicidade nem sempre espontânea, alegria muitas vezes conquistada à força.
Mas com a tristeza sem motivo, esse método não funciona.
Não há espaço para duelos. Não há argumento que intimide uma tristeza tão pura, tão desconectada de raciocínios. Ela é tão distante de qualquer pensamento que não o entenderia, ela não se encaixa em pensamentos, ela não ri deles, ela nem os vê. Se tento argumentar, ela não me responde de volta. Se insisto, ela me abraça mais forte, me aperta, tenta me machucar. Melhor não competir. Melhor, nessas horas, deixar a hora para ela. Porque qualquer palavra é inútil, qualquer racionalização é cansativa e boba, e o tempo, afinal de contas, vai passar, e ela vai acabar indo embora, sem dizer a que veio, sem explicar se foi motivada por nada ou por todas as coisas juntas.
O bom é que, notei recentemente, a tristeza sem motivo gosta de chá quente.
Não sei a sua. A minha gosta.
Ela ignora qualquer argumento, ela não se deixa distrair facilmente por livros e filmes, ela não entende o mundo, mas se acalma com uma boa xícara de chá quente. Não cappuccino ou café: chá quente. Sopa, também. Já reparei. Ela se estressa com palavras, mas se acalma com sopa. E com abraços. Ela se sente incomodada com o mundo, mas talvez seja mais com o mundo adulto, porque aceita um gibi. Ela gosta de sol, de ar fresco. De ficar próxima à natureza – perto do mar, de um rio, uma montanha. Ela gosta, se acalma, agradece e vai embora.
Não me pergunte por quê.
Mas, como dizia Clarice Lispector, não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento… Se você costuma receber uma tristeza que não quer ser entendida, não sei. Mas eu costumo e, quando ela aparece, ofereço-lhe uma boa xícara de chá.''
Eu me lembro de quando era criança e vinha essa tristeza, essa visita sempre muito repentina, muito exterior a mim. Eu estava brincando, feliz – até hoje, sou dessas que costumam estar felizes –, e chegava essa penetra, essa intrometida, que vinha sem avisar e também não avisava quando ia embora. E ela ficava, e meu ânimo, minha vontade, esses iam embora, e o jeito era aceitar.
Tristeza sem motivo. Aceito sem reclamar. Quando adolescente, eu tentava fugir, correr – depois voltei a aceitar, como na infância. Se a tristeza sem motivo me abraça, eu a abraço de volta, que nosso encontro é menos dolorido.
A tristeza sem motivo é interessante. É bem diferente da tristeza com motivo. Minhas tristezas com motivo, eu sempre tento curá-las com raciocínio. Pode ser vício, cálculo, pretensão. Mas eu tento e, muitas vezes, funciona. Se estou triste porque algo não deu certo, me convenço com argumentos de que foi melhor assim. Se, definitivamente, não foi melhor assim, faço um esforço para relativizar a questão. Humilho minha questão pessoal, colocando na frente dela os problemas do mundo. Envergonho minha questão temporal, esfregando na cara dela o tempo. Ou simplesmente rio da minha questão séria, fazendo pouco dela. Forço, o tempo todo, um duelo entre minha razão e meus sentimentos. Às vezes, leva tempo, mas a razão ganha. Sempre ganha. E lá estou eu, feliz de novo, felicidade nem sempre espontânea, alegria muitas vezes conquistada à força.
Mas com a tristeza sem motivo, esse método não funciona.
Não há espaço para duelos. Não há argumento que intimide uma tristeza tão pura, tão desconectada de raciocínios. Ela é tão distante de qualquer pensamento que não o entenderia, ela não se encaixa em pensamentos, ela não ri deles, ela nem os vê. Se tento argumentar, ela não me responde de volta. Se insisto, ela me abraça mais forte, me aperta, tenta me machucar. Melhor não competir. Melhor, nessas horas, deixar a hora para ela. Porque qualquer palavra é inútil, qualquer racionalização é cansativa e boba, e o tempo, afinal de contas, vai passar, e ela vai acabar indo embora, sem dizer a que veio, sem explicar se foi motivada por nada ou por todas as coisas juntas.
O bom é que, notei recentemente, a tristeza sem motivo gosta de chá quente.
Não sei a sua. A minha gosta.
Ela ignora qualquer argumento, ela não se deixa distrair facilmente por livros e filmes, ela não entende o mundo, mas se acalma com uma boa xícara de chá quente. Não cappuccino ou café: chá quente. Sopa, também. Já reparei. Ela se estressa com palavras, mas se acalma com sopa. E com abraços. Ela se sente incomodada com o mundo, mas talvez seja mais com o mundo adulto, porque aceita um gibi. Ela gosta de sol, de ar fresco. De ficar próxima à natureza – perto do mar, de um rio, uma montanha. Ela gosta, se acalma, agradece e vai embora.
Não me pergunte por quê.
Mas, como dizia Clarice Lispector, não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento… Se você costuma receber uma tristeza que não quer ser entendida, não sei. Mas eu costumo e, quando ela aparece, ofereço-lhe uma boa xícara de chá.''
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